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sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Falta de Memória Afetiva



Abrindo o Baú - O Resgate da Memória Afetiva (Capítulo 7 do livro O Grito)

Uma das menções mais comuns ao Brasil refere-se ao fato de não possuirmos memória. Povo sem memória, que possibilidades reais tem de superar as várias mazelas sociais, políticas e religiosas, a injusta distribuição de renda se não tem conhecimento de sua própria história, das raízes desses graves problemas que assolam o cotidiano, da forma como tentam debelar tais dificuldades ao longo do tempo, das atuações governamentais e suas repercussões, dos posicionamentos assumidos pela sociedade civil e da própria cultura nacional?

A discussão é longa e pode resultar em diversas ramificações. As pessoas têm opiniões diferentes e, por se tratar de um assunto extremamente delicado, talvez não se chegue a lugar nenhum.

Crimes absurdos que em questão de minutos se apagam e são esquecidos. Apenas quem sofreu a perda terá o que remoer pelo resto de suas vidas. Porém, no auge do fato, estavam todos, aparentemente, juntos e torcendo pela justiça.

Agora vêm as dúvidas: Será que temos memória curta? Será que só funcionamos quando a pressão é grande? Por que não continuamos aquilo que começamos? A questão aqui não é memória curta não, acho que todos se lembram do caso Daniela Perez e tudo que lhe aconteceu em Dezembro de 1992 .

Crime bárbaro, hediondo! O que acontece na verdade é uma sociedade que em sua maioria não pensa no coletivo e, quando não se pensa dessa forma, acabamos perdendo uma força incrível, um poder tremendo. O poder da ação conjunta.

Pena que a maioria das pessoas não sabe disso e nem se dêem conta do que são capazes, uma pena! Falta na verdade uma disciplina entre uma comunidade, um povo. E nós brasileiros não temos essa cultura. Por vezes pensamos: Ahhh, nossa, ainda bem que não foi comigo. Ainda bem que não foi com o meu filho...ledo engano, afinal, não sabemos do amanhã. As tragédias, as coisas ruins não acontecem só com o vizinho ou na telinha da TV. E coisas boas e ruins não acontecem só em novelas ou nos filmes. Aliás, eles são inspirados na realidade da própria vida. E é exatamente por isso que muitas vezes nos vemos nos filmes e nas novelas por eles retratam o nosso quotidiano.

Vivemos uma inversão de valores total e irrestrita. É o tempo da imagem. É o tempo do poder a qualquer preço. É o tempo do ter a qualquer custo. O que importa é a moeda, é o dinheiro, é o ouro. Não importa a que preço e nem como conseguir, o importante é ter. Cada cabeça uma sentença. Mas, as pessoas se expõem demais, como: ficar nua em revistas, prostituir-se aqui ou em outro país, participar de reality shows e passar por todo o tipo de situações, por vezes até vexatórias e humilhantes. E, muitas vezes, apoiados pelos pais e seus parentes que aparecem e dizem que seus filhos estão indo muito bem, que eles se sentem orgulhosos por estarem enjaulados e expostos pois a “causa é justa”.

Podemos lembrar o caso daquela moça nos EUA, que se prostituía e fez um político daquele país renunciar ao cargo. Mas, o melhor ainda está por vir: Voltou com fama para o Brasil, saindo até por um portão especial do aeroporto. Passou pelos programas de TV e quando aparecia na rua não falava quase nada. A explicação para isso, segundo ela, é porque senão ninguém pagaria por suas declarações. Mas uma “celebridade instantânea” que não tem nada a dizer. Nada a oferecer.

Pessoas que vivem de escândalo em escândalo como Britney Spears e Paris Hilton, tem, na maioria das vezes, os seguintes pensamentos: se dá dinheiro, então vamos lá! Se dá projeção, então vale a pena. Por que estas pessoas fazem isso? Porque têm certeza que têm público garantido. Tem gente que vive de esterco. Alimentam-se de estrume. A torcida pelo final feliz de Ferraço, personagem interpretado pelo ator Dalton Vigh, da novela Global “Duas Caras”, mostrou bem essa situação. Ele chegou onde chegou a qualquer preço, foi vendido a um homem que o “educou” assim. Se o otário existe não se deve ter pena porque ele (o otário) está ali esperando ser enganado. E o “esperto” aprendeu o como enganar. É simplesmente assim...e ele seguiu o que aprendeu.

Mas, voltando para a realidade, as pessoas que assistem só vêem o lado bom de toda a história. Porém, toda essa inversão de valores tem um preço a médio e longo prazo e, aqui, podemos voltar ao caso do Ferraço que acabou sendo julgado pelo seu filho, que teve uma educação dentro dos padrões da honestidade e dos valores corretos. Interessante que neste e em tanto outros episódios, a novela e a ficção estão praticamente nos obrigando a refletir sobre a vida.

É sem sombra de dúvida um preço muito alto a ser pago, psicologicamente falando. Infelizmente, nós conhecemos muito pouco tudo o que nos move e o que está no nosso inconsciente.

Muitas e muitas vezes nos defrontamos com perguntas a respeito da validade de se estudar a história, de se analisar os fatos históricos. Em várias delas a idéia da falta de memória como sendo um dos fatores de atraso de nossa sociedade foi recorrente.

A incapacidade de criarmos elementos de identidade nacional é decorrente dessa falha. As constantes repetições de erros nos processos e escolhas eleitorais é repercussão desse problema. O desvio de verbas e a corrupção endêmica em determinados setores públicos é sintoma dessa falta de informação ou de não processar esta informação de forma adequada. “Pensamos: Ah, deixa correr. Afinal, quem vai se preocupar com isso? Isso sempre foi assim. Não sou eu quem vai mudar essa situação...”

Os meninos de rua, as drogas que atingem nossa juventude, a cartolagem que destrói o futebol brasileiro, a epidemia de dengue, da gripe suína e muitas outras situações, de certa forma, poderiam (ou ainda podem) ter sido evitadas se olhássemos para trás, estudando nosso país e sua história.

É óbvio que uma prática como essa não seria suficiente para podermos resolver todas as questões nacionais mais prementes, mas que ajudaria, isso é muito claro.

A memória é formada pelas lembranças que estão na consciência. Nos primeiros anos de vida não existe uma memória contínua, como também não há uma consciência pronta, mas sim, pontos isolados. Podemos dizer que existe consciência quando a criança se refere, a si mesma, na primeira pessoa. Consequentemente, nesta fase, haverá uma continuidade da memória.

Para a formação da memória, a atenção é fundamental. Esta, por sua vez, pode ser mobilizada pelos afetos. Tendemos a prestar mais atenção nas coisas de maior interesse. Os assuntos que nos trazem prazer e satisfação são os que dispensaremos mais tempo em conhecê-los e compreende-los. Assim os afetos estão na base da formação da memória.

Nossos afetos vão se aglomerando em torno de um determinado núcleo que trazemos conosco ao nascer, que são os arquétipos. Toda vez que houver uma renovação da qualidade do afeto, através de nossas experiências, mais carga será depositada ao redor deste núcleo formando, desta maneira, os nossos complexos. Eles são os motores que impulsionam nossas vidas.

Uma memória afetiva pode se desenvolver a partir de uma percepção sensorial como um odor, um som, uma cor, desde que tal percepção esteja ligada a um momento afetivo importante.

O resgate da memória afetiva é fundamental no nosso processo de desenvolvimento psicológico, de autoconhecimento e desenvolvimento pessoal. Quando resgatamos nossas memórias estamos trazendo com elas a possibilidade de revisar, compreender e digerir ou de vomitar determinadas situações que podem estar bloqueando nosso ir em frente. Podemos estar paralisados, sem perceber, em situações antigas que não foram bem resolvidas e entendidas.

Ao acessarmos nossos registros pessoais antigos ou nem tanto antigos temos a oportunidade de transformar idéias e pressupostos que hoje podem estar contendo nosso desenvolvimento e nos deixando até mesmo doentes. Podemos transformar atitudes negativas perante a vida em outras mais positivas, facilitando o nosso crescimento. O resgate da memória afetiva, quando bem orientada, trará a possibilidade de ampliarmos nossa consciência na medida em que integramos qualidades ao nosso mundo atual.

Ampliar a consciência é aumentar a visão sobre nós mesmos e sobre o mundo; é desatar os nós de energia que ficaram presos em situações passadas que nos impedem de ver a vida com verdadeiros olhos adultos; é aceitar o novo e o diferente; é corrigir pressupostos que perderam a razão de ser e a capacidade de nos orientar na vida adulta. Como também mostra a nossa capacidade de dizer não seja a quem for ou a que proposta for. Mostra nossa capacidade de analisar o certo e o errado a partir de um contexto completo e não apenas dentro de um foco ou ação que nos é apresentada como sendo ideal, boa ou sacrossanta.

Quando trazemos à tona nossas memórias afetivas estamos elaborando e compreendendo experiências carregas de afetos do nosso passado e que se depositaram, no fundo da alma, sendo dolorosas ou não fazem parte da edificação do nosso ser.

Por isso, como nossa proposta neste livro é analisar os sistemas econômico financeiro, político e religioso, vamos às questões considerando às memórias afetivas...

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